Entrevistas

Quando a notícia procura o repórter
Por Guilherme Sardas


No dia 10 de setembro de 2001, a jornalista Neide Duarte, então repórter da TV Cultura, desembarcava na cidade de Nova Iorque com a colega de emissora, a produtora Ana Clau Santana. Por ironia do destino, a viagem era o desfrute de um concurso vencido pela dupla, o “Prêmio Mídia da Paz”, realizado por IMPRENSA. Além da estadia de uma semana, teriam o privilégio de assistir à abertura da Assembleia Geral da ONU no dia seguinte, 11 de setembro. Não é difícil imaginar, no entanto, que os eventos trágicos daquela manhã mudariam os rumos da viagem. Confira abaixo o testemunho da jornalista.

Uma câmera e um crachá

Assim que chegamos, fomos direto à ONU para pegar o crachá com antecedência. Pegamos, voltamos pro hotel e jantamos. No dia seguinte, aconteceu a tragédia. Saímos feito loucas pela rua, e eu consegui ligar para um diretor da TV Cultura, que me disse: “Liga pro Lucas Mendes [jornalista e apresentador do programa Manhattan Connection], eu já falei com ele, ele vai te emprestar uma câmera”. Fui ao escritório dele pegar a câmera, e com ela fizemos duas matérias. Estávamos mais ou menos na 50 [Fifth Avenue] e o escritório dele era na Broadway. Depois tínhamos que ir pro Soho, que era até onde a imprensa podia chegar. Mesmo sem credencial de imprensa, os policiais olhavam o crachá da ONU e deixavam passar, e assim chegávamos aonde toda a mídia chegava. Feitas as matérias, voltávamos a pé até o escritório dele para editar, para pode gerar.

Primeiras impressões

Você imagina que está no começo de uma Terceira Guerra Mundial. A sensação de se sentir presa é horrível. As pessoas passavam gritando: “estão bombardeando NY!” Outras cantavam o hino nacional. Como tinham ambulâncias por toda a parte, a gente deu uma parada, e eu falei: “Vamos parar aqui, para cobrir a chegadas das vítimas”. Havia muita gente ali em volta comentando: “As vítimas vão chegar”. E aí foi passando o tempo, foi passando o tempo e todo mundo foi se dando conta de que não havia vítimas. Foi duro. Passavam aquelas pessoas, os bombeiros, civis, cobertas de cinza, com capacetes, máscaras, com aquela expressão derrotada. Não tinha ninguém para ser salvo.

Divisor de águas

O evento foi um divisor de águas. Nova Iorque era meio uma cidade ideal, tudo que tinha de melhor do mundo inteiro estava naquela cidade: o melhor tomate, a melhor maçã. E, de repente, esta cidade que era o máximo ficou ilhada, não tinha comunicação, não tinha telefone, não tinha nada. Naquela hora, eu falei assim: “Acabou, essa cidade nunca mais vai ser a mesma, os EUA nunca mais serão os mesmos.” Acho que [o evento] quebrou também uma história que as pessoas tinham com os EUA também. Realmente ali, você sente que o império caiu.

A cobertura


O que importava naquele primeiro momento era o factual. Importava o que estava acontecendo na sua frente: aquelas casas do Soho, aquelas lojas, os carros, tudo coberto de cinza. Andávamos de máscara, porque logo todo mundo percebeu que a fumaça podia ser perigosa, era uma fumaça que ia até lá em cima, no Central Park. Naquele momento, se você está lá dentro, você não tem como pensar de uma maneira crítica e tão distante, como se pensasse: “Ah, essas pessoas não interessam, o que interessa é a questão política”. Não. Eu acho que interessam sim aquelas pessoas que morreram ali. Senão, fica uma coisa muito distante: “Eles mereceram, porque eles sempre foram péssimos com o mundo inteiro, fizeram tantas guerras”. Eu não consigo só pensar criticamente. Pensar assim parece coisa de novela, que é feita pra quem gosta de vingança: “Ah, mas ele fez tudo aquilo, agora, ele merece”. Eu fiquei tão traumatizada que eu nunca mais voltei pra NY. É uma cidade que eu gosto muito.