Entrevista
– Prof. Dr.
Virgílio Arraes,
professor de história
contemporânea
da UNB, especialista
em política
externa dos EUA.
“Ataques de
11 de setembro não
significaram nada
em termos de poderio
militar e econômico”,
diz professor
Por Guilherme Sardas
Especialista em política
externa dos EUA e
professor de história
contemporânea
da Universidade de
Brasília, o
professor Virgílio
Arraes defende que
os ataques de 11/09
inauguraram um
novo tipo de guerra
no mundo e que o império
estadunidense vive,
sim, um lento processo
de decadência,
decorrente, no entanto,
de sua própria
arrogância.
IMPRENSA - O que mudou
no mundo em decorrência
aos atentados de 11
de setembro?
Virgílio Arraes
- A primeira
mudança foi
o fim da crença
da inviolabilidade
do território
norte-americano. Na
segunda guerra, os
EUA foram atacados,
mas atacados no Havaí,
não no próprio
continente. E na época
do presidente [Thomas
Woodrow] Wilson, Pancho
Villa chegou a entrar
no território
americano, não
por questão
ideológica,
mas por uma questão
quase de banditismo.
Os ataques [de 11
de setembro] romperam
a crença de
que o território
americano seria quase
inviolável,
inexpugnável.
E o segundo aspecto,
mais como consequência,
foi o de viabilizar
a ideia de “guerra
preemptiva”,
e não mais
preventiva. É
um termo novo do nosso
idioma, a “guerra
preemptiva”
seria iniciar um conflito,
antes mesmo que haja
indícios concretos
de que o adversário
vai te atacar ou hostilizar.
A Guerra do Iraque
ocorreu nesse sentido:
partindo do pressuposto
de que o Iraque teria
armas de destruição
de massa, e de que
essas armas poderiam
ser usadas contra
eles, os EUA resolveram
atacar o Iraque. Se
eu pudesse fazer uma
analogia, lembraria
o filme de Spielberg,
o “Minority
Report”, ou
seja: só do
sujeito pensar, a
polícia vai
lá prendê-lo,
ele já é
condenado, ainda que
não tivesse
efetivado o crime.
Desses 10
anos pra cá,
os EUA deram provas
de que é um
império em
ruína?
Não. Em termos
de poderio militar
e econômico,
o ataque de 11 de
setembro não
significou, praticamente,
nada. Houve esse fim
da inviolabilidade
do território
americano, mas isso
não parou a
economia. Do ponto
de vista prático,
da rotina, não
afetou a potência
americana. Afetou
psicologicamente,
mas não em
termos materiais.
OS EUA continuam sendo
o país mais
poderoso do mundo.
Do ponto de vista
simbólico,
o que nós poderíamos
extrair do atentado
é de que o
império cai
por si mesmo. Está
num lento ou até
num lentíssimo
processo de decadência,
mas por si mesmo,
pelas próprias
ações
que os americanos
tomam quando se recusaram
no fim da Guerra Fria
a negociar a formação
de um novo mundo,
quando ocorreu em
1815, quando Napoleão
foi derrotado, quando
depois da Primeira
Guerra Mundial e da
Segunda Guerra Mundial.
Foi a primeira vez
em 200 anos, que a
extinção
de um grande adversário
não fez com
que as grandes potências
se sentassem pra discutir
como seria o mundo.
Foi o primeiro sinal
de arrogância
da grande potência.
E essa arrogância
veio se desdobrando,
como, por exemplo,
quando na gestão
Clinton, os americanos
decidiram de maneira
unilateral flexibilizar
um conceito extremamente
caro para o Ocidente,
que é o conceito
da soberania. Alegaram
que se houvesse violação
maciça de Direitos
Humanos, seria um
imperativo moral dos
EUA intervir. Do ponto
de vista teórico,
isto está correto,
mas do ponto de vista
prático, é
complicado. Por que
em qual país
os EUA deveriam intervir?
Iugoslávia,
Sudão, Arábia
Saudista, Rússia?
Fica muito subjetivo,
porque foi uma decisão
unilateral, não
foi uma decisão
tomada, por exemplo,
pelas Nações
Unidas. Um terceiro
ponto da expressão
dessa lenta decadência
americana é
Guantánamo.
A partir do momento
que um dos valores
como os Direitos Humanos
começa a ser
violado como política
de governo, isso reflete
como uma decadência
moral do império.
Como o Sr. enxergou
o trabalho da mídia
americana e brasileira
na cobertura dos ataques?
O governo americano
explorou o sentimento
de indignação
e de receio da população,
que foi amplificado
pelos meios de comunicação,
o que fez com que
a população
tivesse como defesa
uma revivescência
ao patriotismo. Não
há dúvidas
de que, após
o ataque terrorista,
esses sentimentos
foram bem explorados
pelo governo. Todo
momento que um país
se sente mais frágil
ou se sente atacado,
fisicamente ou espiritualmente,
o patriotismo emerge,
e para os governos
é fácil
manipular isso, ainda
mais quando o país
é vítima
de um ataque. Lembro
que a imprensa brasileira
estava estarrecida
com que havia acontecido.
Nos primeiros dias,
em se chegou a falar
até em 60 mil
mortos, houve uma
solidariedade aos
EUA
Diante desse ataque,
isso sinalizou que
os EUA deveriam tratar
o mundo de outra forma
e melhorar sua imagem?
Ao contrário,
os EUA intensificaram
as ações
por meio das quais
normalmente a sociedade
internacional critica
o país. A Guerra
do Iraque é
um exemplo disso.
Por mais que Obama
tenha criticado na
campanha eleitoral
o governo Bush, ele
terminou, por fim,
subscrevendo tudo
isso. Ele não
tomou uma medida concreta
para reduzir os danos
à imagem e
à sociedade
americana. 10 anos
depois de guerra,
nós podemos
contabilizar centenas
de milhares jovens
americanos que estão
sendo marcados pelo
trauma da guerra.
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