“O guia de viagem tradicional está morrendo”, diz ex-colaborador da Lonely Planet

23/12/2014 - Jéssica Oliveira

A última vez que o escritor americano Thomas Kohnstamm esteve no Brasil foi durante a Copa do Mundo em 2014. Junto com sua esposa (carioca), os filhos (uma menina e um menino, ambos cidadãos brasileiros), ele viu o Seleção Brasileira ganhar da Colômbia e “foi comemorar na rua”. Soube que Neymar estava fora do Mundial e ficou “muito triste” e, na final, torceu “para a Alemanha ganhar da Argentina, claro”.


Mas sua relação com o Brasil está prestes a completar uma década e vai além do futebol. Em 2005 ele viajou por vários estados durante sete semanas para atualizar o guia da Lonely Planet (LP). Mesmo fluente em português e espanhol, autor de livros de turismo e conhecendo a cultura latino-americana, o trabalho não foi nada fácil e ele teve vários problemas.

Crédito:Editora Panda Books/ Divulgação
Para Thomas Kohnstamm, as informações presentes nos guias tradicionais se encaixam melhor no online

Da experiência nasceu o livro "Autores de guias de viagem vão para o inferno?", lançado em 2012 pela Panda Books. Na obra, Kohnstamm conta como inventou, copiou, plagiou e até vendeu drogas para concluir o trabalho e sobreviver no país, diante da remuneração insuficiente da LP – que ameaçou processá-lo. “Não havia motivo [para me processar], porque escrevi sobre a verdade", disse à época. O guia foi substituído e atualizado por uma nova versão em 2007.

Dois anos depois do lançamento do livro, o escritor acredita que as coisas mudaram “radicalmente” na indústria de escritores de turismo. “Ainda há espaço para um bom trabalho, uma história bem narrativa e uma necessidade crescente de vídeo também. Mas o guia tradicional está morrendo, se não morto”, diz. 

Para Kohnstamm, o conjunto de informações, típico dos guias tradicionais, fica melhor no formato digital, pois pode ser atualizado com frequência e por mais pessoas. Além disso, ele destaca que seu livro mostrou como um guia escrito por uma pessoa é subjetivo e não deve ser levado como verdade absoluta. “O equilíbrio de escritores experientes e usuários gerais é melhor. Isso significa mais vozes de pessoas que vivem no local, e não somente escritores de turismo ou turistas”, diz.

Mestre em Estudos Latino-Americanos pela Universidade de Stanford, onde estudou Língua Portuguesa e culturas latinas, Kohnstamm já escreveu para a Lonely Planet, Travel+Leisure, Forbes, San Francisco Chronicle, Los Angeles Times, Denver Post, Miami Herald e outras publicações. Atualmente ele trabalha com vídeos, produzindo e escrevendo, e prepara um romance. Morando em Seattle com a família e seus dois cachorros, diz que “sempre” sente saudade do Brasil. “Espero voltar para visitar em alguns meses”.
Correspondentes internacionais mostram costumes e valores de terras além mar

24/12/2014 - Christh Lopes

No diversificado menu de cobertura dos correspondentes internacionais, a atenção aos detalhes é característica indispensável para que o jornalista traduza os costumes e valores de terras distantes. Ao narrar uma situação inusitada de um país em conflito, por exemplo, o repórter sabe que seu discurso deve proporcionar ao leitor o cenário mais próximo possível do real. 

O mesmo cuidado vale para as coberturas de turismo, já que descrever lugares paradisíacos e apresentar novos destinos se tornou parte da rotina dos que atuam fora do País. Entre uma reportagem de fôlego e outra, os enviados especiais ainda aproveitam a estadia para conhecer os pontos mais belos de cada região visitada. É daí que aparecem grandes pautas culturais. 

Samy Adghirni, por exemplo, foi além. O jornalista viajou ao Irã pelo jornal Folha de S.Paulo, e produziu, ao lado da namorada, um suplemento com um guia turístico do país muçulmano com mais de oito páginas. O caderno trouxe reportagens pontuais, além de textos que desmistificavam dogmas e conceitos ultrapassados, sempre sob o olhar dos iranianos. 

O suplemento trouxe ainda dicas de gastronomia, um guia de lojas, e sugestões de paisagens imperdíveis. O jornalista ressalta que tudo envolve política no país, inclusive, o turismo, que tende a crescer em breve com a aparente abertura do governo. “Com a posse do presidente Hassan Rohani, eleito com um discurso muito apaziguador em relação ao Ocidente, os turistas começam a voltar ao país”.

Crédito:Divulgação
Samy Adghirni é repórter da Folha de S.Paulo

Nos anos 1990, os americanos, europeus e latino-americanos costumavam visitar mais as intermediações da República Islâmica. Só que, com o 11 de setembro, tudo mudou. A administração do antecessor de Rohani sofreu com o medo Ocidental. Mas, com a saída de Ahmadinejad, o turismo deu um grande salto. O correspondente conta que o crescimento do setor entre 2012 e 2013 foi de 300%. Durante os três anos que passou por lá, o novo cenário rendeu pautas das mais curiosas.

“O exemplo que me vem à mente é o museu das joias, o único no mundo que tem uma coleção incrível de peças que pertenciam aos antigos reis da Pérsia”, diz. Outra reportagem que ficou marcada foi a que fez sobre Herat, no Afeganistão. “Ela é a cidade mais segura do país, incrivelmente bonita, e fica bem perto do Irã. Na verdade, quando você atravessa a fronteira, vê que são dois mundos diferentes”, lembra. 

Paradoxalmente, a região fica em uma zona de conflito, mas Herat foi um dos poucos pontos que sequer foi tocado pelas duas forças que se enfrentam constantemente. Apesar de não ser um alvo, não é possível dizer que quem vai ao local está totalmente seguro. Por isso, o jornalista se preparou para a repercussão. 

Houve leitores que o chamaram de louco, mas surpreendentemente, teve muita gente que se interessou pelo destino. “Falo claramente na matéria que é um turismo atípico, mas dá para fazer e tem quem faça. Existem pessoas que vão a esta cidade, que tem monumentos lindos, que tem as sedas mais lindas que eu já vi em toda a minha vida, pedras preciosas a presos risórios. Um lugar bem legal cercado por montanhas”.

Ora pois
Outro jornalista que também procura abordar o cotidiano local de forma diferente é o jornalista André Luiz Azevedo, correspondente da TV Globo em Portugal. No país há mais de dois anos, o profissional de imprensa conta que a função exige que a pessoa seja uma redação completa, e por isso, quem tem a oportunidade de seguir esse caminho do jornalismo deve estar atento a todas as editorias. O turismo, por exemplo, faz parte cada vez mais de suas pautas. “Estou sempre à procura do que possa interessar aos brasileiros. E Portugal se transformou em um destino prioritário para quem viaja para o exterior”.

Crédito:Luiz Ribeiro/ TV Globo
André Luiz Azevedo é correspondente da Globo em Portugal

Os motivos que atraem os brasileiros, em especial, são os mais diversos, desde ligações históricas, culturais e facilidade da língua, até aos preços mais baixos em comparação com o restante da Europa. Atualmente, ele é um dos enviados especiais que participam do quadro “Crônicas do JH”, no “Jornal Hoje”. A repercussão positiva reflete a aposta em um modelo que foi pouco testado no Brasil.

“O formato dá uma oportunidade espetacular de fazer um tipo de reportagem que não tem espaço normalmente na televisão. Assim podemos buscar pautas mais criativas, com imagens mais elaboradas, um texto mais solto, sem compromisso com o dia a dia. A resposta tem sido entusiasmante. Não só pela audiência, mas pelos índices de memorização”.

Dentre as inúmeras pautas no país, o jornalista se recorda de uma das suas reportagens mais marcante. Tentando justamente ligar os pontos sobre o que se passa com a comunidade brasileira no país português, Azevedo investigou a história de Perivaldo, ex-jogador da Seleção Brasileira.

O atleta tinha virado morador de rua, e não raras vezes era visto perambulando pelas vielas de Lisboa. Em 2013, o lateral direito de prestígio voltou ao Brasil e teve a oportunidade de reencontrar a família. O retorno foi filmado e organizado pela equipe de reportagem do “Fantástico”.

Desafios da função
Não há uma fórmula mágica. Quem deseja seguir carreira no jornalismo como correspondente precisa ficar atento diante das possibilidades. Um bom começo é possuir um segundo idioma. Quem sabe um terceiro, se possível. Os cursos de especialização também são um diferencial, mas as dicas no geral não fogem do que hoje já é exigido de um profissional de imprensa. 

De acordo com Adghirni, cabe ao jornalista fazer com que o seu olhar vá para onde a multidão não está indo. “Precisa enxergar além do óbvio. Sair do pensamento moldado, do pensamento unificado. Uma das grandes ideias durante os meus três anos no Irã foi justamente trazer coisas que o leitor não sabia”.

O trabalho na região rendeu no livro “Iranianos”, que derruba mitos alardeados por parte da mídia durante a cobertura sobre a região, como o fluxo de americanos no país, um fato considerado como surpreendente pelo correspondente, e ainda as questões históricas e culturais. A obra traz também um retrato da beleza do Irã, com uma imagem que, para ele, destoa do que as pessoas veem quando chegam ali.

“Isso, não é avaliação minha, mas quase unanime. As pessoas vem um pouco receosas, com medo, mas depois se dão conta que é uma gente extremamente doce, acolhedora, hospitaleira, afaga, tem paixão pelos brasileiros”, conta. Na visão de Luiz Azevedo, a atenção total ao que acontece pode ser uma boa fonte para reportagens sobre o tema. Mas o que deve guiar o correspondente é dar luz ao que realmente interesse ao brasileiro, o que agregará ao cidadão.
Apresentadores contam rotina de programas especializados em turismo

08/12/2014 - Por Gabriela Ferigato

Conhecer e conviver com refugiados, guerrilheiros, terroristas e até piratas; pegar ondas na região da Toscana (Itália); correr para o hospital após uma “leve” degustação de pimenta; sofrer um acidente de Jetpac e levar alguns pontos no braço. Essa é só uma prévia dos bastidores de programas especializados em turismo.

Nos últimos anos, uma boa leva de atrações sobre o tema vem ganhando espaço na televisão. Com abordagens e estilos diferentes, o objetivo comum entre todas elas é rodar pelos quatro cantos do mundo buscando por culturas, hábitos e histórias diversas.

André Fran, apresentador do “Não Conta Lá Em Casa”, do Multishow, diz que as histórias de bastidores dariam um programa a parte. Segundo ele, muitos dos destinos visitados não são exatamente os pontos turísticos ou locais óbvios de roteiros de viagens, mas que tem muito a dizer. 

Livros, jornais, documentários e, claro, internet ajudam na curadoria do programa. “Apesar de já conhecer a fundo muitos dos temas que vamos abordar, tentamos nos despir de todos os pré-conceitos, pois aprendemos que ver com os próprios olhos algumas das grandes questões da humanidade é sempre uma experiência surpreendente e de quebra de paradigmas”, afirma Fran.

Por querer mostrar a realidade desses locais “sem filtro nenhum”, é comum que a produção esbarre em alguns problemas durante as gravações. De acordo com Fran, a equipe viaja sem vistos especiais ou maiores produções. 

“O objetivo é entrar em contato direto com nossas pautas, nada daquilo de um correspondente de imprensa distante do foco da ação. Pegamos estrada, nos metemos em roubadas, conhecemos e convivemos com refugiados, guerrilheiros, piratas, terroristas, soldados e fazemos as perguntas que realmente importam”.

O apresentador Bruno de Luca, do programa “Vai Pra Onde?”, do Multishow, já está mais do que acostumado com os perrengues que aparecem ao longo do caminho. Ele conta que, mesmo que a equipe já tenha permissão para gravar nos locais, sempre acham alguma coisa diferente na rua que querem registrar e esperam “para levar uma bronca”. Também tem aquelas pessoas que não gostam das câmeras.

“Uma vez, na Austrália, eu conheci um cara que andava na rua jogando um frisbee, um objeto em forma de disco, para as pessoas. Ele jogou pra mim e eu joguei para uma mulher qualquer que estava passando no local. Ela não gostou da brincadeira, ficou louca e tacou o negócio na minha cabeça, mas eu levei na esportiva mesmo assim (risos)”. 

Na atual temporada do “Vai Pra Onde?”, Bruno visitou Aarhus, segunda maior cidade da Dinamarca, mas, apesar da beleza, suas experiências por lá não foram tão boas. Fã assumido de pimenta, ele ficou sabendo que ia conhecer Chilli Klaus, um pimenteiro dinamarquês que prometeu lançar um desafio ao apresentador.  

Durante a visita, Klaus escolheu uma pimenta, cortou e passou em volta da tulipa da cerveja de Bruno, esse que tomou um gole. Em seguida, o pimenteiro disse algo em dinamarquês para a sua câmera e convidou o apresentador a comer a pimenta inteira, mastigando bem.

“Comecei a sentir a minha cara esquentar. Os olhos foram ficando inchados e eu não estava mais conseguindo enxergar. Percebi que aquele era o começo de um sofrimento que nunca tinha vivido em toda minha vida. Paramos de gravar. Minha equipe me dava leite, as meninas da produção choravam e o câmera tentava me ajudar. Pedi para ir pro hospital, só queria tomar uma anestesia geral e tirar aquela pimenta de dentro de mim”, lembra. 

1,2,3...gravando

Titi Muller, apresentadora do “Anota Aí – Os 10 Mais”, que rodou oito países em 40 dias, também passou por alguns apuros, alguns hilários, outros nem tanto. Logo no início das gravações, ela sofreu um pequeno acidente em um Jetpac, que rendeu alguns pontos no braço e, passado o susto, algumas piadas internas.

De acordo com Titi, todos os destinos mostrados no programa são “obrigatórios”, sendo a maioria capital, mas o que o “Anota Aí” busca são atrações curiosas e inusitadas. "A curadoria foi feita pela produtora, com base em Nova York, e pelo canal. Recebi o roteiro pronto e, à medida que lia, ficava cada vez mais entusiasmada pelo o que iria passar”.

Segundo Patricio Diaz, diretor do “O Mundo Segundo os Brasileiros”, da Band, a seleção do elenco é, sem dúvidas, o grande desafio da pré-produção, pois esses personagens serão os apresentadores da atração. A equipe busca essas pessoas por meio de sites, grupos, redes sociais, embaixadas e consulados. Após fechar o casting, são feitas entrevistas e chamadas de vídeo.  A ideia é juntar todos os tipos de personalidades e gostos. 

“O programa procura sempre a diversidade. Tanto dos personagens, como das atividades a serem realizadas por eles. Os professores e as pessoas mais velhas, por exemplo, são muito bons para contar a parte histórica do lugar. Mas para mostrar um esporte extremo, muitas vezes é melhor escolher alguém mais jovem”, conta Diaz.

Em “Nalu Pelo Mundo”, Multishow, o principal ingrediente são as ondas. A publicitária Fabi Nigol deixou a cidade grande para viajar ao mundo com o marido, o surfista Everaldo Pato e, mais recentemente, com a filha Isabelle Nalu. Roteiro e produção são feitos pela família, inclusive por Isabelle.

Papua Nova Guiné, partes da Indonésia e China estão entre os destinos mais marcantes. “Adoramos conviver com o povo e viver a cultura deles, o mais próximo possível. Poder mostrar para nossa filha que existem outros mundos e outras formas de viver é o nosso maior orgulho”, diz Fabi.

 
 
 

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