Jornalistas viajantes de carteirinha falam sobre as delícias e perrengues de por o pé na estrada

22/12/2014 - Jéssica Oliveira

Em fevereiro de 2013, a jornalista Glória Maria já tinha pelo menos 20 passaportes totalmente preenchidos, boa parte por causa de suas matérias mundo afora. Assim como ela, muitos coleguinhas costumam viajar um bocado em busca de boas histórias e coberturas marcantes, somando quilômetros de muita experiência. 

Olhando de fora, trabalhar viajando parece a melhor coisa do mundo, mas os profissionais que acostumados com essa rotina sabem que há pontos a se considerar, como a saudade da família e dos amigos, o cansaço acumulado, as dificuldades a serem vencidas e a adaptação aos diferentes costumes. Mesmo assim, o aprendizado de cada nova chegada e partida torna tudo único na carreira do jornalista.

“Viajar é bom porque você conhece diferentes culturas, lugares exóticos e tem a possibilidade de ampliar seu conhecimento com outros povos”, diz o repórter Gerson de Souza, que aos 57 anos acredita ter visitado pelo menos 50 países, alguns mais de uma vez.

Crédito:Arquivo Pessoal
Gerson de Souza já visitou mais de 50 países

Ele, que começou a carreira aos 20 anos, atuou em rádio, jornal e está na televisão desde 1988, viajou o Brasil praticamente inteiro e visitou países nos cinco continentes pela TV Record, onde trabalha atualmente. No livro “Gérson de Souza: Um repórter em extinção” (In House), lançado em agosto de 2014, ele conta sua trajetória, curiosidades e situações arriscadas e engraçadas vividas em nome do jornalismo.

“Tudo é questão de persistência e resistência. Persistência para perseguir um objetivo, cobrir um determinado assunto, e resistência para suportar situações difíceis. Se você tem uma pauta, busca personagens, tem que encarar desafios, superar limites e ir em frente”, resume.

Mesmo com todas as coberturas realizadas e as boas recordações das viagens, o excesso de embarques e desembarques acabou cansando o profissional, principalmente pela saudade da família e pelo tempo gasto em aeroportos. “Fico muito tempo fora de casa e tenho seis filhos e cinco netos. Estou na fase de curtir um pouco isso, de dar uma pausa nas longas viagens. Chega uma hora que você quer se dedicar à família”.

Trabalho é trabalho

Ricardo Ferraz, repórter da TV Cultura, gosta muito de viajar nas horas vagas, apesar de viajar também bastante a trabalho. Estados Unidos, Espanha, Itália, Argentina e praticamente o Brasil todo são apenas alguns dos destinos que fazem parte de sua bagagem. Para ele, há duas diferenças fundamentais entre viajar a lazer e a trabalho. A primeira é que as duas coisas não se misturam. 

“Quando você diz que vai viajar a trabalho, alguém fala: ‘nossa, que legal!’. Acham que vai ter diversão. Só que você tem que otimizar seu tempo, às vezes, trabalha até mais até que o normal”. A segunda é o nível de envolvimento com o seu destino.  “Você fala com pessoas que têm histórias para contar, tem uma percepção mais real do que é aquele lugar, aquela cultura, o que pensa o povo”.

De tudo que viu dentro e fora do Brasil, o aprendizado mais marcante veio da convivência com os índios em diversas aldeias no País. “É uma forma muito diferente de encarar o mundo, a vida. Você percebe como a nossa cultura do desenvolvimento não leva em consideração a cultura, a ecologia, tradição”.

Coberturas marcantes
Jornalista desde 1988, Gilberto Smaniotto começou sua carreira em Manaus, na TV Amazonas, afiliada da Rede Globo. De lá para cá passou pelas principais emissoras do País, como TV Cultura, Record e SBT, além de colaborações para a Globo News e TV Manchete. Acostumado a viajar mundo afora, o repórter morou em Nova York por duas vezes. 

Crédito:Arquivo Pessoal
Gilberto Smaniotto fez coberturas marcantes, como a do furacão Katrina em Nova Orleans (EUA)

A primeira de 1995 a 1999, quando aprendeu tudo que pôde sobre a Big Apple, e a segunda quando foi escolhido pelo “Jornal da Record” para cobrir as eleições presidenciais americanas em 2004, entre George Bush e John Kerry. Um ano depois abriu o escritório da emissora no local. “Ter conhecido bem o lugar e vivido intensamente a vida americana pesaram na decisão”.

Entre as principais coberturas que fez, destaque para o julgamento de Michael Jackson, em Santa Maria, na Califórnia, e o acompanhamento do treinamento de astronautas na NASA. Mas a cobertura mais impactante e que não sai de sua memória aconteceu há quase dez anos, em agosto de 2005, já como correspondente. Ele e a equipe da TV Record foram os primeiros profissionais de uma emissora brasileira a chegar em Nova Orleans e mostrar ao vivo a destruição provocada pelo furacão Katrina.

“Os diques não conseguiram conter as águas do Lago Pontchartrain e 80% da cidade ficou submersa. Ficamos num viaduto ilhados, junto com carros do exército. Perdi 8 quilos em 15 dias. Não tinha o que comer, o que beber, onde dormir. O calor era intenso. Os únicos alimentos eram distribuídos pelos aviões da força aérea americana. Vivi dias intensos, em meio a tristeza, aos cadáveres que boiavam, cadáveres soterrados nos escombros dos prédios, ou que foram jogados para fora dos navios cassinos”.

Quase dez anos depois desse episódio e contratado pelo “Jornal da Band”, ele afirma que tudo que se aprende viajando pode ajudar na hora de criar, decifrar ou compor uma pauta. “Por onde você passa tem histórias interessantes, às vezes, não exploradas por um ou outro motivo”.

Xô generalização
Jornalista especializado em turismo, Paulo Mancha D’Amaro foi editor chefe da Revista Viajar pelo Mundo e repórter das revistas Terra e Próxima Viagem. Em cerca de 10 anos fez mais de 30 reportagens internacionais. Além de comentarista de futebol americano da ESPN, ele mantém o blog “Viajando por Esporte” .

Crédito:Arquivo Pessoal
Paulo Mancha mantém o blog "Viajando por Esporte"

Ao lembrar de todos os locais que já visitou, ele não consegue escolher um como preferido ou elegê-lo a melhor viagem, porque “cada país, região ou cidade tem sua personalidade”. “É impossível comparar uma metrópole com Nova York com os fiordes da Patagônia Chilena. Ou uma praia do Caribe com os castelos da Eslováquia”, diz. No entanto, para ele algumas viagens foram mais marcantes por revelarem surpresas, como a Jordânia (“um oásis de paz no Oriente Médio”), o Atacama (“que é subestimado por causa da palavra "deserto" quando, na verdade, é muitíssimo mais do que isso”).

Segundo o jornalista, o ponto em comum de suas viagens é o fato delas serem fontes de aprendizado constante, pois cada cultura contribui com um novo ponto de vista para entender o Brasil, analisar defeitos e qualidades do país e ajudar principalmente a quebrar preconceitos.  “Estereótipos generalizados devem ficar longe do jornalismo”.
Blogueiros de “Turismo” desmistificam glamour da profissão

05/12/2014 - Por Danúnia Paraizo
A ideia de ganhar a vida como viajante profissional pode ser tentadora para muita gente, principalmente, para os que atuam com comunicação. A possibilidade de escrever sobre lugares paradisíacos e ainda ser pago por isso é o sonho de muito jornalista, principalmente com as facilidades da internet e o engajamento das redes sociais. 

Não é à toa que os blogs profissionais de viagem ganharam popularidade no mercado, conquistando espaço como veículos de relevância e credibilidade. Com uma audiência de milhares de page views por mês, os meios de comunicação naturalmente também atraem grandes anunciantes, como companhias aéreas e agências de viagens interessadas em dialogar com um público altamente segmentado.

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Altier Moulin, do blog Pé na Estrada

Para os profissionais de imprensa hipnotizados pelo canto da sereia, no entanto, blogueiros experientes dão logo o recado: apesar das oportunidades de tornar o blog em um negócio rentável, o mercado está cada vez mais saturado. Começar agora pensando em ganhar dinheiro pode ser a maior furada. “No segmento de viagens, as pessoas acham que vão poder viajar de graça. Mas para se sustentar só com o blog você precisa trabalhar muito. Não é algo que em um, dois ou seis meses terá retorno”, explica o jornalista Altier Moulin, do blog Pé na Estrada.

O espaço foi criado em 2008, mas só a partir de 2012 ganhou um ar mais profissional e com determinações claras sobre anúncios e publiposts. Ainda assim, com uma média de 100 mil page views por mês, o blog não é a principal fonte de renda do capixaba, mas é um abridor de portas. “É uma forma do meu trabalho ser visto. Através, dele, por exemplo, consegui uma proposta para escrever para um blog de uma agência de intercâmbio”.

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Rafael Carvalho, do blog Esse Mundo é Nosso

Caminho semelhante teve o jornalista Rafael Carvalho ao criar o blog Esse Mundo É Nosso. Ele, que trabalha como coordenador de conteúdo web em uma grande emissora de TV, começou o espaço de forma despretensiosa. Era uma forma de contar para amigos e familiares sobre suas viagens, mas o projeto acabou virando seu segundo trabalho. Com média de 180 mil page views por mês, o blog sinaliza todos os posts patrocinados para manter o bom relacionamento de confiança com seus leitores.
EXPERIÊNCIAS

Uma característica que permeia todos os blogs da editoria é a prestação de serviço oferecida aos viajantes. Nesse sentido, o espaço funciona como um agregador de informações mais precisas sobre hospedagens e melhores destinos. Baseados nas experiências pessoais de seus autores, que legitimam os posts, os blogs conquistam porque criam identificação com os leitores.
Com objetivo de justamente compartilhar suas experiências e assim, ajudar mais pessoas a também encontrarem a melhor forma de viajar, a colunista de viagem do site do jornal O Estado de S. Paulo, Amanda Noventa, resolveu criar seu blog pessoal, o Be Happy Now

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Amanda Noventa, colunista do Estadão e blogueira do Be Happy Now

 “Quando decidi fazer, não sabia muito bem do que falar. Falava de temas variados e muito das minhas viagens, experiências de ter morado fora. Fui percebendo que o pessoal gostava de ler sobre isso, então fui afunilando esse conteúdo”.

Ela, que já perdeu as contas de quantos destinos já visitou, explica que os lugares mais interessantes são os que diferem da cultura brasileira, e que em suas viagens procura sair de sua zona de conforto. Entre os países mais marcantes, destaque para a China e Bolívia. “Sou uma viajante normal como qualquer pessoa, não sou especialista. Acho que talvez por isso as pessoas se identifiquem. Tento viajar de forma espontânea, não como uma profissional”, destaca a blogueira.

Com proposta parecida, o jornalista Thiago Khoury criou em 2009 o Rodei, depois que fez seu primeiro mochilão pela Europa. De lá para cá, não parou mais de escrever sobre viagens. “Naquela época ninguém respondia minhas perguntas com a convicção que eu queria, foi aí que pensei: ‘alguém precisa dar essas respostas’. Seis meses depois Rodei foi ao ar. Hoje ele está em seu terceiro layout”.

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Thiago Khoury, do Rodei

Com mais de 200 mil visualizações por mês, o espaço não só contribuiu para o passaporte de Khoury ficar mais recheado. Ele foi responsável também de reviver a paixão do jornalista pela comunicação. “Quando o blog começou, eu estava prestes a largar o jornalismo e mergulhar de corpo e alma em outros negócios. Eu jamais imaginaria que aqueles textos fossem fazer com que eu voltasse para o caminho que escolhi trilhar lá atrás, quando escolhi cursar jornalismo”.
 
 
 

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